Apartamento de Thomas

Aquele dia tinha sido perfeitamente calmo; acordei de manhã para tratar das plantas dispersas pela casa, como fazia diariamente, e não tardei em ir almoçar com a minha mãe a um dos nossos restaurantes de sushi favoritos.  Não comiamos fora de casa todos os dias mas por alguma razão, algo nos levou a querer variar, fugir um pouco da rotina. De barriga cheia, pensámos em ir passear um pouco pelos jardins da praia de Miami. Nada me deixava mais feliz que estar no meio da natureza, onde me sentia realmente eu próprio. Entendo agora o porquê de a nossa intuição nos ter proporcionado um encontro tão magnífico como aquele. Cheguei a casa por volta do pôr do sol, livre de qualquer stress que a vida urbana fazia questão de me incutir. Sentia agora o cansaço de todo aquele passeio, apesar de me sentir limpo espiritualmente notei a dor que me subia pelas pernas acima. Arrastei-me até à grande poltrona castanha, lancei a almofada que estava sobre a mesma para o sofá e sentei-me, deixando escapar um longo suspiro. Olhei para a minha mãe, estava sentada no sofá e acabara de ligar a televisão. Virei o olhar para o ecrã, apresentavam as notícias mais marcantes do dia. Parecia que em Nova York tinha aparecido uma nave espacial e havia sido travada mais uma batalha entre alguns super heróis e os tripulantes desse veículo estranho... Mais um dia normal. Desde criança que admirava os super-heróis, não pareciam ter qualquer tipo de pavor à morte, encaravam-na olhos nos olhos todos os dias pelo bem da comunidade. Talvez um dia possa ter essa coragem, já que poderes em mim não são escassos.

Voltei a olhar para a minha mãe assim que a ouvi sussurrar alguma coisa.  Não queria acreditar no que via. O seu corpo parecia desagregar-se em milhares de partículas cinzentas, como se todas as suas moléculas tivessem virado cinza. - Não! Mãe, calma... Calma... - gritei, levantando-me rapidamente da poltrona e correndo para perto dela. Não sabia o que se passava, sentia apenas uma dor angustiante no peito e a humidade aglomerando-se cada vez mais nos meus olhos. Tentei abraçá-la mas assim que a toquei todo o seu corpo se desfez naquelas estranhas partículas. A última memória que pude reter da mulher que mais me amou e cuidou durante toda a minha vida foi o seu sorriso meigo, enquanto tentava afagar-me os cabelos.  Numa fração de segundos havia desaparecido completamente, deixando apenas aquela matéria invulgar no seu lugar.  Não tardei a ouvir o caos que acontecia lá fora, os gritos de desespero e as buzinas dos veículos descontrolados. Atarantado com toda aquela situação, aproximei-me da grande janela com vista para a rua e fiquei ali, apático, enquanto sentia as lágrimas descendo pelo meu rosto.

Desde o florescimento dos meus poderes (trocadilho intencional) que posso sentir o mesmo que os outros sentem. Por muito estranho que possa parecer, as plantas sempre foram umas das minhas melhores amigas. A forma como elas sentem não difere muito da nossa, comunicam entre elas através de ondas elétricas mas o ser humano tende a rejeitar tudo o que os seus sentidos não conseguem acompanhar. Adorava que todos tivessemos um orgão que nos possibilitasse captar as suas melodias, por vezes mais lindas que a melhor música humana, quase que etérea. Sempre vi a conexão com os seres vivos, que o meu poder me proporcionava, como uma benção. Mas o que aconteceu após a morte da minha mãe fez-me mudar completamente a minha opinião.  Senti, quase que na minha pele, as más energias que emanavam das emoções dos animais e das plantas, o medo que vivenciavam assim que os seus corpos frágeis se desvaneceram em pura cinza. Todo aquele turbilhão de sentimentos fez com que me abstivesse do mundo real, dando somente atenção ao meu Eu mais interior, que por sinal se encontrava numa vibração muito baixa. Foi somente com o estrondo de um carro a embater num poste de eletricidade que me apercebi do perigo iminente. Ao longe, um avião descontrolado caía na minha direção. Os pensamentos de desespero dos seus poucos passageiros invadiam-me a mente mas tive de me abstrair. Notei uma grande descaga de adrenalina percorrer-me todo o corpo, corri desesperadamente para a porta mas ela não abria. — Caralho! — pensei em meio a toda aquela aflição. Foi então que tive uma ideia, teria de sacrificar as minhas companheiras, que cuidei desde que eram sementes, mas não conseguia pensar noutra solução. Corri para a sala e com um gesto rápido de mão, manipulei todas as plantas que se encontravam ali, aumentando o comprimento e largura dos seus caules e rapidamente entrelaçando-os entre si. Saltei para cima do grande tronco que formara, agarrei-me a ele com todas as minhas forças e controlei-o de forma a embater na janela, partindo-a. O avião estava cada vez mais perto então criei um segundo tronco, proveniente do original, que se estendeu para o lado direito do prédio, levando-me consigo. Enquanto me afastava, olhei para trás na tentativa de ver se ainda poderia salvar os passageiros. Estendi o braço esquerdo e, esticando rapidamente os dedos, tentei criar vários ramos espessos e compridos o suficiente para se alastrarem pela parte dianteira do avião, de forma a tentar reduzir a sua velocidade, e até às turbinas das asas parar parar de vez o seu motor e criar estabilidade, antes que embatesse no prédio.