Arredores do Bronx

Bella nunca teve reais problemas para dormir. Nunca sofreu de severa insônia ou qualquer coisa que requeresse medicação. Se estivesse cansada, ela dormiria, era simples. Mas não essa noite. Ela virou para um lado, depois para o outro. Tentou se deitar de bruços, e depois tentou de lado. Sua cama parecia feita de cimento. Depois de algum tempo, quando todo o seu corpo parecia doer como se tivesse sido atropelada por uma manada, ela se levantou. Após a mensagem de seu pai lhe alertando sobre seu novo filho, talvez finalmente precisasse de remédios. Ao olhar pela janela, constatou que ainda estava no meio do dia. Bem, ela nunca tinha tido problemas para dormir, desde que não o tentasse fazer durante a noite. Trocar a noite pelo dia era o que Bella fazia de melhor, com certeza.

Vestiu seu casaco e foi em busca da única coisa que poderia acalmar seus nervos. Seu velho amigo, Jim B.. A loja de bebidas ficava à apenas quatro quadras dali, porém nunca teve a chance de voltar para seu apartamento e aproveitar de sua nova aquisição. Bella pareceu ter entrado em um universo paralelo ao atravessar a porta loja a fora. As pessoas estavam, literalmente – e eu não estou nem sonhando – sumindo em uma nuvem de poeira. Se aquela garrafa de whiskey não tivesse custado tanto dinheiro, a garota provavelmente a teria deixado cair. Batidas de veículos, crianças chorando e latidos preencheram todo o ambiente. Ainda segurando sua preciosidade, Bella iniciou uma corrida um tanto quanto desesperada para sua casa.

Por favor, Deus, proteja Stryga.

O telefone de Bella ainda estava no apartamento, então tudo o que pode fazer foi rezar por sua moto. Depois de tudo, não ligava muito para seu pai, e sua mãe não poderia se tornar poeira duas vezes. Ela não tinha ninguém com quem se preocupar e ninguém para se preocupar com ela. Quando chegou em seu quarteirão, alívio tomou conta de seu corpo. Seu prédio parecia intacto. Apoiando suas mãos em seus joelhos, lhe permitiu respirar por um minuto antes de entrar em completo desespero. Que merda estava acontecendo ali?

Um som estridente chamou sua atenção, antes que tivesse um ataque de pânico bem ali, no meio da calçada. O mercadinho do Senhor Nanoni estava destruído. Um carro parecia ter colidido com a parte lateral da propriedade. As pernas de Bella pareciam prestes a ganhar vida e abandonar a garota, mas ela correu até a esquina mesmo assim. Ela gostava do Senhor Nanoni, que lhe dava balinhas de brinde sempre que ela aparecia por lá. Seus olhos começaram a arder, mas não permitiu que as malditas lágrimas vissem o mundo exterior. Quando chegou à porta da frente do mercadinho, sentiu falta de sua mãe. Pela primeira vez desde que ela se fora, há dois anos, Bella sentiu muita vontade de tê-la ali para lhe abraçar e dizer que tudo ficaria bem. Dizer-lhe que ninguém tinha se machucado e que na semana seguinte, quando precisasse de um novo vidro de shampoo ou um pote de sorvete de flocos, Senhor Nanoni estaria ali, sorridente, e lhe daria balinhas macias de framboesa.

Partes do teto tinham ido parar no chão, havia vidro quebrado e fumaça para todo lado, e uma pessoa ou duas, provavelmente clientes pela falta de uniforme, estavam jogadas ao lado – ou embaixo – das prateleiras. Não havia mais nada que pudesse fazer por elas.  Bella encontrou Senhor Nanoni caído no chão atrás do balcão, seu rosto arredondado todo arranhado por causa do vidro, e queimaduras por grande parte dos seus braços descobertos. Ela não sabia se ainda estava vivo, mas não teria como carregá-lo para fora do estabelecimento, Senhor Nanoni devia pesar o dobro do peso de Bella. Tentou ligar para a emergência, mas ao procurar em seus bolsos, lembrou-se que seu telefone ainda estava no apartamento. Ela tossiu seco, a fumaça começando a inundar seus pulmões.

A garota começou a arrastar Senhor Nanoni para fora, usando seu colarinho de apoio. Pelo barulho, sua camisa estava começando a rasgar, ele era pesado demais. Mas Bella não podia desistir, ele lhe dava balinhas, pelo amor de Deus. Ela tropeçou em seus próprios pés e nos pedaços de concreto que estava no chão, caiu por cima do homem que tentava salvar no mínimo umas quatro vezes, mas continuou tentando tirá-lo dali. O balcão era do lado da porta, mas parecia ficar há quilômetros de distância. Suor cobria todo o seu rosto. Se aquele homem sobrevivesse, Bella o forçaria a fazer uma dieta.