Odaiba.

   Apesar de todo o meu medo e incertezas, eu ainda estava vivo. Depois de descobrir um novo lar, e conhecer uma família tão especial quanto a de Charles Xavier, imaginei que talvez houvesse ainda um lugar para mim, naquele mundo de maravilhas e horrores. Um mundo que eu não conhecia na década de oitenta, quando vivia em cativeiro numa base secreta da I.M.A. Graças às ações de uma mulher louca, eu havia congelado e permanecido em uma cratera no oceano, por décadas. Até ser encontrado pelo príncipe do mundo marinho, Namor, e entregue ao Quarteto Fantástico. Graças à Reed e Susan Richards, eu conhecera Charles Xavier. Ainda estava me acostumando com toda aquela confusão de datas e memórias. Meu fator de cura fora o responsável por me restabelecer a vida, mas ele não podia trazer de volta tudo o que a H.Y.D.R.A. e M.O.D.O.K. haviam roubado de mim.

    Tive saudades do Brasil, o lugar onde havia nascido. Pelo que ficara sabendo, ele era um país diferente agora, sem o domínio da Ditadura Militar. Mesmo assim, a vida entre os alunos e professores do Instituto Xavier parecia muito melhor e mais afável do que qualquer coisa que eu tivera por lá. Então abandonei as saudades e adotei os Estados Unidos como meu lar, enfim. Pela primeira vez na vida, eu estava no lugar certo. Era um X-Men. Isso, até que ogivas foram disparadas por várias partes do mundo, matando milhões de seres vivos. Agora, eu era um foragido, como os alunos que eu salvara da Mansão Xavier. Não tinha notícias de nenhum outro X-Men à semanas, e apesar de todo o meu receio em usar meus poderes de maneira indiscrimanada, acabei resolvendo que não podia mais ficar parado. Ali, em Odaiba no Japão, eu podia encontrar pessoas que não tinham dezenas de heróis à sua disposição. Partes do mundo como aquela, estavam bem mais desprovidas de auxílio que as outras. Eu tinha certeza que os alunos do Instituto ficariam bem. Ali, eu era mais necessário.

    Odaiba era uma ilha artificial. Tóquio, havia tido seu centro completamente dizimado por uma das ogivas nucleares. Usinas do Japão estavam em desequilíbrio, ameaçando provocar desastres em toda a parte. Odaiba, desse modo, havia sido convertida num gigantesco centro médico. Tendas à céu aberto, primeiros-socorros e centenas de profissionais da saúde trabalhando de maneira voluntária. Pensei que poderia protegê-los, supervisionando as atividades. Depois de saber que heróis estavam sumindo por toda a parte, seria melhor que o Japão tivesse alguns de nós por ali. Embora eu não soubesse se teria de lutar de alguma forma, achei que ali, ajudando às pessoas com meus poderes, eu faria alguma diferença. Não notei olhares de preconceito. Se isso se devia aos costumes orientais, ou À necessidade diante da tragédia, eu não saberia dizer. Mas estava feliz por, pela primeira vez, ser bem recebido...
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Enquanto utilizava minha telecinese para erguer uma viga de concreto, com o objetivo de auxiliar o resgate de uma senhora e seus netos, sobressaltei-me. Por pouco não derrubei a estrutura sobre as costas dos bombeiros envolvidos no resgate. Respirei fundo e mantive minhas emoções em baixa, enquanto atirava para longe o peso pesado. Com uma expressão um tanto quanto surpresa, analisei a postura do rapaz que se dizia um X-Men. Reconheci o símbolo de Charles em seu uniforme, e relaxei levemente. Com um pequeno sorriso, maneei a cabeça, agradecendo pelo elogio que me fizera.

- Obrigado pelo elogio - sorri. - Mas receio que você tenha certa vantagem sobre mim. Não sei o seu nome. Enquanto você parece conhecer bastante sobre mim. - Levemente, li sua mente em busca de fatos mais aparentes. - Gregório, não é? Seus poderes são bem peculiares - acrescentei, já meio tonto ao sentir as habilidades do rapaz. Estava controlando-me para não absorvê-los. - O que deseja? Não mandariam um membro da X-Force até mim se não fosse necessário. Espero que esteja tudo bem, com estes sumiços recentes...

Aguardando ansioso, esperei para ver a reação do mutante, diante de meus dons telepáticos. Exerido? Sim, eu era. Mas nos tempos difíceis em que vivíamos, ele teria de me compreender. Aliviado por ele não ser a Mística disfarçada ou um agente da H.Y.D.R.A. (Deus me livre!), comecei a pensar em confiar no que dizia. Mesmo tratando-se de um assassino de elite dos X-Men. Enquanto os japoneses passavam por nós com naturalidade, alguns dos adolescentes mais próximos pareciam empolgados pela presença de super-heróis no local, tirando fotos e apontando para nós. Chamando muita atenção... Aquilo não seria bom com os vilões à solta.

- Acho melhor conversarmos num local reservado. Venha comido. Uma das enfermeiras-chefes me emprestou o apartamento dela. - Indiquei o prédio da mulher, caminhando para o local sem esperar por Gregório. Ele não tinha alternativa a não ser me seguir. Entrei, observando a sala humilde ao redor. Deixei que ele se acomodasse, enquanto o analisava inquisitivamente.
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Achei divertida a forma como a mente de Gregório era confusa. Eu não tinha muita experiência telepática, mas sabia que a mente daquele cara não era comum, nem normal. Haviam pelo menos duas personalidades contrastantes ali, e quem saberia dizer quantas outras haveriam, além das que eu vislumbrara? Ele parecia contrariado por ter tido sua privacidade invadida. Bem, eu estava contrariado por ser procurado por um membro do quadrão assassino dos X-Men. Eu não sabia se podia confiar nele. Ergui uma sobrancelha quando ele referiu-se a mim, mencionando Charles. Ri. Era engraçado.

- Você acabou de me dizer as exatas primeiras palavras que ele usou, quando nos conhecemos. Tentei ler a mente dele sem avisar, como se isso fosse possível, imagine só... - dando de ombros, sentei na poltrona de frente para Gregório, ainda rindo com a lembrança. - Posso chamá-lo de Greg? Espero que sim. Então, vou ser bem franco. Não tenho a menor intenção de entrar em conflito aqui. Só estava sendo precavido. Eu queria ter certeza de que você não era um transmorfo, ou algo do tipo. Ao que parece, você já leu meus arquivos em algum lugar, por conhecer minha história e meus poderes. De certa forma, bom... Eu também li os seus - justifiquei-me, numa expressão amigável. - Sabe, concordo com você. O mundo precisa de toda a ajuda que puder encontrar. É exatamente por isso que vim para o Japão. Aqui, as pessoas estão menos protegidas do que nos Estados Unidos. Como você percebeu, não estou me escondendo. Não me importo de ser encontrado. Quero que me encontrem, para que eu possa vingar a morte daqueles que se foram no atentado de Shaw. - Greg parecia intrigado, por eu ter conhecimento das atividades da X-Force. Sorri. - Bem, eu fui aluno de Charles por algum tempo, e como você deve saber, possuo semelhanças genéticas com o Wolverine, devido à experimentos da I.M.A. A razão de eu saber sobre sua equipe, é que fui convidado para fazer parte dela, por Charles. Mas concordamos que funciono melhor dentro da legalidade, como um X-Men. Eu não seria capaz de matar, simplesmente. Não, se tivesse outra escolha.

Afastei-me do rapaz e caminhei um pouco, indo buscar uma garrafa de saquê em cima do único balcão da cozinha. Enchi dois copos com minha telecinese, e caminhei com os mesmo levitando ao meu redor. Um deles, indo até as mãos de Gregório. Ou Inverno. Com uma saudação, bebi um gole do líquido puro, que aqueceu o meu peito. Já me sentia muito melhor quando voltei a sentar na poltrona. A garrafa de saquê mantinha nossos copos cheios, levitando entre nós sobre a mesa de centro.

- Agora, é a minha vez. Você sabe sobre o que M.O.D.O.K. e a H.Y.D.R.A. fizeram a mim. Como? E mais importante, o que deseja que eu faça? Que me una à X-Force? Que vá embora do Japão e o ajude a encontrar outros X-Men desaparecidos? O quê? - era bom conversar com outro mutante, principalmente com outro X-Men, depois de tanto tempo. Mas eu precisava saber exatamente onde estava me metendo. Eu não funcionava de outro modo. - Meu nome é Adam, a propósito. Eros é muito formal entre dois camaradas, de todo modo - era bom conhecer outro aluno de Charles. Não saber onde estava o Professor Xavier, era uma das piores coisas depois do desastre recente.

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    Eu estava realmente surpreso. Acho que ele percebeu minha mudança de postura, quando notei que tratava-se de alguém com um passado ao menos, semelhante ao meu. Outra pessoa que havia sofrido nas mãos de gente mais poderosa, e menos piedosa. Um igual, ou ao menos, alguém que poderia me entender, como ele mesmo dissera. Depois, quando ele contou-me o restante de sua história, resolvi que precisava admitir: eu estava chocado. Parecia que naquele mundo louco no qual eu despertara, os piores absurods eram a regra geral. Uma origem mais complicada que a outra. E para que eu dissesse isso, era sim uma grande coisa. Fiquei inquieto quando percebi que tratava-se de um espírito, a presença que eu sentira no interior de Greg. Eu não temia, mas era bastante cauteloso quando se tratava de seres espirituais, ou de outra dimensão. Minha expressão tornou-se sombria, no entanto, quando ele mencionou M.O.D.O.K. Muitos haviam dito o mesmo, antes.

- Bem, amigo, só posso dizer uma coisa: Não subestime aquele monstro. Muitos já pensaram ter derrotado M.O.D.O.K., apenas para que ele surgisse novamente, depois. Mas confesso que estou feliz por saber disso. Quanto mais gente pra bater naquele desgraçado, melhor - rindo, ergui o copo de saquê, em saudação. - E realmente, não é difícil imaginar as razões para que desejem a união dos X-Men, novamente. Mas temos de supor que pode tratar-se de uma armadilha, como a maioria das coisas que parecem simples demais - eu concordava com a iniciativa de Greg, mas achava as mudanças de humor e a falta de senso dele, hilárias. - Acho que as boates de Tóquio não estão em seus melhores momentos, com essa história das bombas. O Governo decretou luto de uma semana, e não foi só por aqui. É mundial. As coisas estão voltando aos poucos, para o lugar. Não vamos encontrar um bar ou casa de chá abertos à noite. As pessoas não estão afim de festejar, de todo modo... Mas acho que você seria útil lá fora. Sabe, ajudando... Fico feliz que tenha me procurado. Saiba que pode, a partir de hoje, me considerar um aliado. Mas não pretendo voltar à América agora. Talvez em breve - apertei a mão de Inverno, um pouco desconcertado ao lembrar dos sofrimentos pelos quais ele havia passado. - Te desejo muita sorte, amigo. É bem vindo para ficar um tempo por aqui, se preferir.

   Aguardando sua resposta, eu já intuia o que ele diria, mas apesar de tudo estava contente por ter encontrado um amigo, depois de semanas em completa solidão.
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Sorri para Greg. Apesar de conhecê-lo tão brevemente, era o tipo de rapaz que parecia valer à pena. Um provável amigo, talvez o primeiro que eu fizera fora das paredes do Instituto. Espirituoso, não parecia abalado pelas ideias conflitantes em sua mente. E eu sabia o tipo de controle que tamanho fardo exigia. Sem dúvidas, precisava ter muito caráter para se manter são com um espírito habitando o próprio cérebro. Um rapaz firme, e se havia sido feito membro da X-Force, então também era forte o bastante para lidar com as situações necessárias. Não deixava de ser um X-Men, no fim das contas.

- Você tem razão. Eu aina permito que meu passado perturbe o meu presente - estreitando o olhar, cruzei os braços. - Me convenceu a seguir seus conselhos. Vou deixar tudo para trás, e recomeçar. Mas pra isso, preciso continuar por aqui. Lamento muito pelo fracasso de sua missão, mas acredito que também posso ajudar da minha forma, recuperando a mim mesmo antes de voltar para a agitação da América. E sim, não se preocupe. Agora que lhe conheci, poderei achá-lo onde quer que vá, no mundo inteiro. - curvei-me em sua direção, inspirando o ar entre nós. - Permita-me...

Concentrei-me em Greg, absorvendo aos poucos suas características, tocando seu espírito com a minha mente. Suas habilidades invernais espalharam um arrepio pelos meus braços, enquanto eu sentia minhas emanações empáticas alinhando-se com as suas. Creio que ele deve ter sentido minha interferência, mas ela passou como uma brisa. Não retive seus poderes, eliminando-os de meu sistema logo em seguida. Mantive comigo suas emoções, e agora eu poderia senti-las durante muito tempo.

"Como lhe disse, eu o encontrarei, quando mudar de ideia. É uma garantia."

- De qualquer forma, não me agradeça pelo fracasso. Ele é todo mérito seu - pisquei, rindo. - Brincadeira. Como te disse, os pobres e feridos de Odaiba precisam de mim. É o pedacinho do mundo que decidi salvar, por enquanto. E não se preocupe, eu sei me cuidar - observei as espadas que ele levava, caminhando para fora. - Eu diria para que você também tomasse cuidado, mas acho que são os vilões quem precisam ficar atentos - com um aceno, conclui minha despedida.

Enquanto Greg ia embora, terminei de beber o meu saquê. De alguma forma, suas palavras faziam bem mais sentido do que eu julgara. Precisava seguir em frente, e de fato, voltar ao lugar que eu escolhera como lar. Mas somente quando fosse dispensável em Tóquio. Os olhos do mundo pareciam voltados para o ocidente, mesmo com uma tragédia igual em toda a parte. E, ao menos por hora, eu felicitava-me por estar bem distante do olho do furacão.
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